Psicóloga destaca importância da escuta na prevenção ao suicídio

Segundo especialista, é preciso considerar diferentes facetas na elaboração de estratégias de ação e cuidado; coletivo promove escuta na praça em prol da saúde mental

Por Bruna Furtado, estagiária sob supervisão da editora Carolina Leonel

10/09/2023 às 07h00

“Se precisar, peça ajuda!” é o lema da campanha 2023 do Setembro Amarelo, mês que marca os esforços de conscientização e prevenção ao suicídio no calendário nacional, e cujo Dia Mundial da Prevenção é lembrado neste domingo (10). De acordo com dados do Anuário de Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, atualizado em julho deste ano, em 2022 foram registrados 16.262 casos de autoextermínio no Brasil, média de 44 por dia. Em Minas Gerais, os registros apontam 2.027 casos no ano passado. Este ano, no primeiro semestre de 2023, o Centro de Valorização da Vida (CVV) já recebeu mais de 200 mil ligações de mineiros, conforme mostrou a Tribuna, em matéria publicada no último domingo.

De acordo com o site oficial da campanha, a maioria de todos os casos de suicídio estava relacionada às doenças mentais, principalmente não diagnosticadas ou tratadas incorretamente. Dessa forma, a maioria dos casos poderia ter sido evitada se esses pacientes tivessem acesso ao tratamento psiquiátrico e informações de qualidade. Os dados apontam para uma preocupante realidade e reforçam a necessidade de um trabalho de conscientização que seja constante e amplo, sobre um tema que ainda é considerado tabu.

Questão de saúde pública

Para a psicóloga Priscila Vieira, é importante que, a cada campanha, dados como esses possam ser atualizados, uma vez que cumprem importante papel na orientação e desenvolvimento de estratégias de ação e cuidado. “O Setembro Amarelo é uma oportunidade para que possamos estimular o diálogo e o compartilhamento de informações seguras com a população nos mais diversos espaços, como nas escolas e nas Unidades Básicas de Saúde, além de estabelecer um compromisso entre profissionais de saúde mental com a questão”, afirma.

Como defende a profissional, é preciso olhar para o tema como um problema de saúde pública, o entendendo dentro de um contexto multideterminado. “A questão do suicídio tem muitas vertentes sociais que não podem ser desconsideradas e precisam de um olhar acurado e repleto de contextualização. A situação política e econômica da pessoa e também do país, o território em que se vive, seu gênero, sua sexualidade, sua raça. Falar de suicídio de diferentes grupos sociais requer diferentes linguagens e entendimentos”, explica.

Nesse sentido, conforme destaca a psicóloga, o suicídio, por ainda ser um assunto tabu, muitas vezes é visto pela sociedade como um problema isolado e clandestino da pessoa que sofre. Essa lógica desconsidera, afirma Priscila, outros importantes componentes envolvidos na questão do autoextermínio, além de desimplicar o papel da saúde pública na prevenção do cuidado, o que cria perigosa armadilha na qual apenas se responsabiliza e culpabiliza o indivíduo em sofrimento. “Por isso, novamente, essa é uma das grandes importâncias de demarcar um mês para se intensificar as discussões sobre esse problema. É a partir da conversa séria e dos esclarecimentos que se retira o silenciamento e a desinformação sobre o tema, o que ajuda a romper com o estigma e o tabu ainda tão presentes”, afirma Priscila Vieira.

Atenção aos sinais

A presença de psicopatologias pode ser um fator contributivo na concretização de uma tentativa de suicídio. Algumas delas, como exemplifica a psicóloga Priscila Vieira, são os transtornos depressivos, os de uso de substâncias psicoativas, o transtorno do estresse pós-traumático, transtornos variados de ansiedade, como a social, do pânico, e a generalizada, além do transtorno obsessivo compulsivo e quadros psicóticos, como a esquizofrenia.

Contudo, é importante estar atento, como destaca a psicóloga, de que nem todo comportamento suicida requer, indica ou está associado a presença de um transtorno psiquiátrico pré-estabelecido no indivíduo. “Muitas vezes o autoextermínio acontece por diversas situações da vida, como a instauração de um conflito pessoal ou até algo pontual, no qual o sofrimento é tão grande que o indivíduo passa a ter desesperança e rapidamente pode cometer o ato”, explica.

O suicídio é evitável, e há alguns sinais que podem ser observados em uma pessoa que não está bem. Segundo Priscila Vieira, o principal deles é a mudança de comportamento. “Por exemplo, se a pessoa passa muito tempo em situações de isolamento e não participa de atividades sociais, é preciso saber dizer se já era comum dela, ou se houve mudanças significativas de comportamento. Outros sinais são pessoas que sentem excesso de culpa, estão sempre se desculpando ou falando de despedidas, e com falas de desesperança sobre a vida e o futuro. A impulsividade e o uso de substâncias psicoativas em demasia são fatores de risco. Também as mudanças na alimentação e no sono, umas passam a não dormir, outras a dormir demais. Além, deve-se avaliar o histórico de tentativa, pois quem já tentou uma vez pode tentar de novo”, alerta.

Observado sinais, a psicóloga orienta o diálogo aberto, sem julgamentos ou preconceitos para que o outro possa se abrir, falar de suas dores e dos pensamentos de autoextermínio. “Faz toda diferença se colocar disponível ao acolhimento, segurança e disponibilidade para buscar soluções. Incentivar a busca por ajuda profissional com psicólogo e/ou psiquiatra e, se possível, ir junto com essa pessoa. Quem não tiver possibilidade de pagar tratamento particular é importante buscar o CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua região para ser orientado sobre formas de tratamento a partir do serviço público. Nas faculdades de psicologia também existem as clínicas que oferecem atendimento psicológico gratuito ou com valor bem reduzido”, enfatiza.

Escuta na Praça

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Coletivo Escuta na Praça oferece plantão de atendimento psicológico gratuito às quartas, na Praça da Estação, das 11h às 12h30 (Foto: Aline Eiterer)

Quem passa pela Praça da Estação, no Centro de Juiz de Fora, às quartas-feiras, das 11h às 12:30h, pode se deparar com assentos e uma placa informando um plantão de atendimento psicológico gratuito. Criado em 2018, o Coletivo Escuta na Praça – formado pelos psicólogos e psicólogas Aline Eiterer, André Rocha, Cássio Castellani, Daniel Oliveira, Filipe Martins, Laura Carneiro e Rosane Gama – preza por uma construção política e coletiva no reconhecimento, ocupação e ampliação de espaços que permitem a escuta do sofrimento. “Entendemos a escuta enquanto um direito fundamental da população. O atendimento psicológico na praça é uma forma de se buscar ações transformadoras e emancipatórias a fim de acolher e construir saídas que não se bastem somente enquanto atendimento individualizado e emparedado dentro de consultórios”, explicam.

Na busca pela promoção da escuta, o coletivo construiu pontes com as redes de atendimento do município em áreas de política pública, como a saúde, a assistência social e a educação. “O Coletivo Escuta na Praça está localizado enquanto um trabalho de borda o qual não se encontra institucionalizado, porém deve estar articulado com os outros serviços, fomentando discussões a respeito de pautas que nos sustentam e também participando de ações coletivas integradas”, afirmam.

É seguindo esse horizonte que o coletivo fortalece suas atuações na cidade em distintas frentes, que vão desde o plantão semanal na Praça da Estação e em modalidade remota por meio do perfil no Instagram @escutanapraca. Também atuam com a produção e divulgação de conteúdos e pesquisa no campo da saúde mental e das críticas à colonialidade, e com um grupo mensal de formação sobre clínica, saberes e territórios, além das participações junto à rede municipal e demais instituições.

Para o coletivo, o Setembro Amarelo atesta a importância de se repensar as discussões sobre adoecimento mental, suicídio e questões coletivas. “Precisamos abrir diálogo sobre condições precarizantes de vida que geram efeitos de sofrimento e ir além das narrativas que trazem o suicídio como uma questão patológica a ser tratada somente de maneira individualizada. O suicídio diz respeito fundamentalmente a uma forma de sofrimento que deve ser escutada para que saídas e transformações possam emergir.”

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